Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) expôs indícios contundentes da operação de um cartel do asfalto composto por empresas de pavimentação que cometeram fraudes em licitações de asfalto da estatal Codevasf, totalizando um montante superior a R$ 1 bilhão durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), que atualmente busca a reeleição.
A investigação da equipe técnica do TCU foi iniciada em resposta a uma série de reportagens do jornal Folha de S. Paulo e constatou que um conglomerado de empresas agiu em conluio em processos licitatórios tanto na sede central da Codevasf, em Brasília, quanto em suas superintendências regionais, representando uma ameaça à própria gestão da empresa estatal.
O relatório revelou que a construtora Engefort é a principal beneficiária do suposto esquema, tendo obtido contratos com indícios de fraude no valor de aproximadamente R$ 892,8 milhões.
Conforme divulgado anteriormente pela Folha, a construtora maranhense dominou as licitações da estatal em 2021, utilizando em parte delas a empresa de fachada "Del", o que foi corroborado pelos especialistas do tribunal.
Para conduzir uma análise minuciosa, o TCU utilizou como base um manual de combate a cartéis utilizado pelo Cade, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. A partir disso, afirmou ter identificado evidências de que as ações do chamado "cartel do asfalto" envolviam propostas de fachada e um arranjo de rodízio entre as empresas envolvidas.
A auditoria revelou que houve um significativo aumento no volume de licitações, tanto em termos de lotes quanto de recursos financeiros. Paradoxalmente, ocorreu uma redução na concorrência e uma acentuada diminuição dos descontos médios concedidos nas licitações entre os anos de 2019 e 2021.
As irregularidades mais sérias foram identificadas no ano passado. Nas 50 licitações vencidas em 2021, a Engefort concedeu, em média, um desconto de apenas 1%, uma discrepância em relação aos padrões de mercados competitivos.
Ao considerarmos todas as licitações realizadas pela Codevasf desde o início do governo atual, a média de desconto despencou de 24,5% para 5,32% em um período de três anos.
Apesar da gravidade da situação, o ministro do TCU responsável pelo caso, Jorge Oliveira, decidiu não acatar a recomendação da equipe técnica do tribunal e não suspendeu o início de novas obras vinculadas às licitações sob suspeita. Vale ressaltar que Oliveira chegou ao TCU através da nomeação de Bolsonaro, de quem é amigo pessoal.
PF investiga Codevasf (cartel do asfalto)
A Codevasf já está sob investigação da Polícia Federal, que identificou indícios de corrupção na superintendência do Maranhão. Recentemente, houve um pagamento de R$ 250 mil a um gerente que foi alvo de uma operação no mês anterior.
Há duas semanas, a Folha também flagrou a Codevasf instalando cisternas em residências que ostentavam adesivos de propaganda do deputado federal Elmar Nascimento, líder da União Brasil na Câmara dos Deputados. Esse ato foi intermediado por um vereador aliado em Juazeiro (BA). De acordo com especialistas, isso configura uma possível situação de compra de votos.
Vale destacar que Elmar foi responsável pela indicação do atual presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto.
A Codevasf é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que, durante a maior parte do período investigado pelo TCU, era liderado por Rogério Marinho (PL-RN). Neste mês, Marinho assumiu a coordenação da campanha de Bolsonaro no Rio Grande do Norte após ser eleito senador pelo estado no último dia 2.
As reportagens da Folha sobre as manobras licitatórias da Codevasf e a participação de empresas de fachada nas concorrências vencidas pela Engefort chamaram a atenção da equipe técnica do TCU. Eles decidiram analisar todas as disputas realizadas entre 2018 e 2021 pela Codevasf, somando cerca de R$ 4 bilhões.
"Diante de tais notícias, em abril de 2022, avaliou-se, no âmbito da SeinfraOperações, a existência de indícios de fraude à licitação nos certames de pavimentação", afirma a auditoria.
Esse trabalho foi conduzido por duas áreas de fiscalização do TCU: a SeinfraOperações e a SeinfraUrbana. Ambas analisaram detalhadamente cada lance dado pelas empresas nas licitações e delinearam a conduta combinada das companhias.
As licitações de asfaltamento da Codevasf são realizadas online e através de um processo simplificado conhecido como pregão eletrônico.
Os peritos da corte indicaram que o esquema de conluio identificado em 63 pregões da Codevasf, totalizando R$ 1,13 bilhão, tinha como principal objetivo favorecer a Engefort.
O relatório destaca que 27 empresas participaram dessas licitações apenas para aparentar concorrência e encobrir a liderança da Engefort. Além disso, outras sete empresas entraram nas disputas com o intuito de garantir a vitória em algumas oportunidades específicas.
Portanto, um total de 35 empresas são consideradas suspeitas de participação no cartel, formando um "grupo de risco" segundo os técnicos.
O estudo do TCU também revelou que a atuação da construtora Del, exposta pela Folha em abril, tinha como finalidade criar a ilusão de competição nos editais.
"A ausência de funcionários, as estreitas relações com a Engefort, empresa que sempre participa das mesmas licitações, e a recusa em enviar propostas sempre que convocada, indicam que a Construtora Del é utilizada para auxiliar a viabilidade de licitações", concluem os auditores.
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Fraudes em Minas e na Bahia (Cartel do asfalto)
"Nas licitações de Montes Claros [MG], podemos identificar indícios de divisão de lotes, onde a Engefort conquistou suas partes com descontos quase sempre abaixo de 1%, enquanto outra(s) empresa(s) que participou da disputa emergiu vencedora de um ou dois outros lotes, sempre com descontos igualmente ínfimos", de acordo com a auditoria.
Já nas concorrências em Bom Jesus da Lapa (BA), "a Engefort se posicionou como vencedora em todos os lotes, apresentando descontos entre 0,6% e 1,5%. Cabe destacar que, em todos esses casos, havia no mínimo outras três ou quatro empresas participando das concorrências".
Durante uma sessão do TCU na quarta-feira (5/10), o ministro Oliveira ressaltou que o suposto esquema consiste na "formulação de propostas fictícias, supressão de propostas e coordenação de rodízio entre as empresas".
Em seu parecer escrito, ele reconheceu que "as questões apresentadas pela equipe de fiscalização são de inegável importância e relevância, merecendo atenção adequada". Apesar disso, ele afirmou não estar plenamente convencido de que existem elementos suficientes para suspender novos contratos.
"Existem indícios de conluio, mas não estou convencido de que esses elementos serão satisfatórios para comprovar a ocorrência de fraude em todos os concursos listados, muito menos justificar a interrupção ou anulação dos contratos", declarou Oliveira.
Ex-policial militar do Distrito Federal, Oliveira colaborou com Bolsonaro na Câmara dos Deputados e desempenhou o papel de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Indicado em outubro de 2020 pelo presidente ao TCU, o ministro tem sido um elo de articulação em prol de projetos de interesse do governo.
A Codevasf e a Engefort afirmam estar cumprindo a lei e declaram que ainda não receberam notificações. A Codevasf, quando questionada pela Folha, respondeu que "os processos licitatórios da instituição são conduzidos de acordo com as leis pertinentes, por meio do portal de compras do governo federal, e estão abertos para a participação de empresas de todo o país".
A estatal assegura que não recebeu qualquer notificação acerca da investigação pelo TCU e "a responsabilidade pela condução de investigações desse tipo cabe a órgãos de fiscalização e controle, com os quais a empresa mantém uma posição de cooperação constante".
A Engefort nega vigorosamente a liderança de um cartel para manipular licitações da Codevasf.
"Em todos os procedimentos licitatórios em que a Engefort participou e saiu vencedora, a empresa agiu de forma regular, seguindo os requisitos estabelecidos no edital e respeitando a lei. A empresa repudia enfaticamente quaisquer alegações de formação de cartel, conluio ou fraude nas licitações", afirma.
A construtora declara desconhecer o processo do TCU e que não foi contatada para responder a questionamentos. Portanto, ela se abstém de emitir comentários sobre informações até então desconhecidas.
A empresa reforça que não está envolvida em processos relacionados aos contratos e não compactua com práticas irregulares.
Procurado, o TCU declarou que já se manifestou sobre o tema "por meio do acórdão aprovado em plenário e fundamentado no voto do ministro relator".
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